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A Fábrica de Golpes: como criar uma narrativa em 884 páginas

No Brasil, até para inventar um golpe é preciso trabalho duro. E, aparentemente, muita insegurança. O relatório final do inquérito da Polícia Federal sobre o suposto “golpe de Estado” é um verdadeiro compêndio de expressões condicionantes, aquelas que servem para sugerir algo sem afirmar de fato. Afinal, quando a realidade não colabora, o melhor é rechear o documento com palavras que deixem sempre uma porta aberta para o “e se…”.

Entre as 884 páginas da obra-prima do juridiquês investigativo, destacam-se termos como “possível” e suas variantes, que aparecem nada menos que 207 vezes. Afinal, é possível que tenha havido um golpe, assim como é possível que tenha sido apenas um delírio coletivo de quem precisa de um vilão para continuar no poder. O termo “possibilidade” está espalhado generosamente por 47 trechos do documento, quase como um mantra para convencer quem se recusar a acreditar no que não foi provado.

Mas o festival do subjuntivo não para por aí. “Teria” ou “teriam” aparecem 107 vezes. Tudo “teria acontecido”, nada de fato aconteceu. “Hipótese” ou “hipotética”, 25 vezes. Ou seja, o golpe não está no mundo real, mas no universo das conjecturas.

A verdade inconveniente para os arquitetos dessa narrativa é que não houve tanques na rua, não houve prisões arbitrárias de opositores, não houve nenhuma tentativa concreta de tomada de poder. Houve reuniões, conversas, desabafos. Se expressar opinião agora for sinônimo de golpe, metade do Brasil deveria estar atrás das grades.

O problema da narrativa oficial é que ela precisa ser vendida de qualquer jeito. E se os fatos não ajudam, entra em cena o famoso “condicionalismo linguístico”, onde tudo “poderia”, “teria” ou “seria”. Esse é o inquérito que querem empurrar goela abaixo do povo brasileiro, um monumento ao “talvez” e ao “quem sabe”.

No final, esse relatório de quase mil páginas parece menos um documento de investigação e mais um roteiro de ficção interativo, onde o leitor é quem decide se um golpe aconteceu ou não. O problema é que a realidade insiste em ser teimosa e, por mais que tentem forjar um “ataque à democracia”, a verdadeira ameaça segue vindo de quem transforma suspeitas em sentenças e prende adversários por crime de pensamento.

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