O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) surpreendeu o mundo político ao escolher a presidente de seu partido, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), como nova ministra das Relações Institucionais (SRI), gesto que sinalizou o início de uma guinada à esquerda, deflagrada com a reforma ministerial.
Enquanto o presidente sofre impopularidade recorde, corre contra o tempo para conter os prejuízos eleitorais e ainda tenta evitar a debandada na sua base parlamentar, a radicalização é vista por vários ângulos. Mas a aposta mais forte é a de que o governo investe na esquerda por falta de opções.
Para o consultor eleitoral Paulo Kramer, Lula já percebeu que só lhe restam o apoio do eleitorado de esquerda mais fervoroso, que o vê como líder maior, além de beneficiários de programas sociais. “A inflação, decorrente do caos fiscal, vai, contudo, lhe tirar o apoio do segundo grupo”, prevê.
Entre especialistas, há ainda quem enxergue na guinada à esquerda uma simples continuidade da postura de Lula mais atrelada às origens do PT, direção adotada desde a eleição de 2018. Sustentar a polarização serve à campanha eleitoral permanente, mas agora pode sabotar a reeleição do presidente.
Gleisi acena diálogo com Haddad e Congresso, mas defende ativismo do STF
Gleisi assumiu a articulação política do governo prometendo a consolidação da pauta econômica liderada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), apesar de seu histórico de resistência a ela. Em tom conciliador, afirmou no discurso de posse na segunda-feira (10) que dialogará com todos os setores.
A nomeação da ministra gerou resistência entre aliados e sobretudo entre parlamentares do centrão, que preferiam alguém de maior trânsito político. O PT vem agora investindo em uma campanha de convencimento de que Gleisi teria flexibilidade para o diálogo e adotará uma postura menos dura em relação à que manteve como presidente do partido.
Mas, na prática, Lula optou pela defesa mais aguerrida do governo e empenho para seguir uma agenda eleitoreira, com mais publicidade e medidas pró-consumo.
A recém-empossada ministra quis mostrar abertura ao diálogo, sobretudo com o Congresso, mas manteve viés de polarização ideológica, com críticas à direita no geral e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em particular, a quem tem chamado de bajulador do presidente americano Donald Trump.
No discurso de posse, Gleisi fez questão de elogiar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), destacando a “firme reação das instituições” contra réus no 8 de Janeiro e o papel dele “na defesa da democracia e, agora, da soberania nacional”. “O Brasil é dos brasileiros”, diz.
Marcus Deois, diretor da consultoria política Ética, vê a guinada à esquerda refletir o insucesso da estratégia do governo de se fazer reforma ministerial para melhorar relações com parlamentares e fortalecer a base governista. “Restou a Lula se cercar de aliados fiéis para proteger a retaguarda”, disse.
“A oferta de cargos mostrou-se não ser algo atrativo para o Centrão. Há ainda a perspectiva de debandada de apoio no curto e no médio prazo, à medida que a queda de popularidade se mostre um fato irreversível. O presidente tem plena consciência disso e começa a se resguardar”, analisa.
Mas a realidade não ajuda Lula. Sua rejeição subiu de 46,5% em janeiro para 50,8% em fevereiro, segundo recente pesquisa do AtlasIntel. A aprovação caiu de 37,8% para 37,6% e a avaliação regular, de 15,6% para 11,3%. Foram ouvidas 5.710 pessoas entre os dias 24 e 27 e a margem de erro é de um ponto percentual.
No momento em que o governo fez gesto supostamente voltado para melhorar a articulação política com o Legislativo e a sociedade, dando posse à nova ministra da área, militantes de esquerda intensificaram ataques ao religioso que conecta online milhões de fiéis.
As críticas ao Frei Gilson da Silva Pupo Azevedo nas redes sociais, tachado de “fascista” e “negacionista”, se tornou fator de desgaste extra para Lula. Sua campanha de Quaresma com orações diárias às 4h da manhã, atingiu o pico de 1,3 milhão de dispositivos conectados na segunda-feira (10).
Guinada à esquerda do governo se reflete em disputas internas do PT
A guinada à esquerda do governo pode evidenciar-se mais se o deputado Guilherme Boulos (PSOL) vier para o ministério, assumindo a Secretaria-Geral da Presidência e confirmando a especulação que agitou os bastidores de Brasília. Antes disso, o cenário já afeta uma intensa disputa interna no PT.
Lula reafirmou apoio ao ex-prefeito de Araraquara (SP) Edinho Silva para suceder Gleisi no comando do PT na eleição de 6 de junho, apesar do racha na ala majoritária, a Construindo um Novo Brasil (CNB). A ministra e outros membros do partido rejeitam o perfil moderado de Edinho e querem nome mais à esquerda.
Durante jantar na quinta-feira (6) na casa de Gleisi com líderes petistas, o próprio Lula reiterou sua posição, enquanto setores do partido defendem candidatos como os deputados Rui Falcão e José Guimarães. Edinho tornou pública sua insatisfação, dizendo que Lula foi usado pelos rivais na legenda.
A indicação de Edinho mira três objetivos: fortalecer as alianças do PT no Congresso, garantir respaldo a Fernando Haddad e mobilizar a sociedade em defesa de ações do governo. Mas o enfraquecimento do ministro da Fazenda e a prioridade de Lula pelas alianças à esquerda criam dificuldades.
Discurso radical afasta eleitor indeciso e dificulta a reeleição, diz especialista
Para o cientista político Adriano Cerqueira, Lula adotou um figurino extremista à esquerda para reagir à impopularidade e às pressões que sofre. Mas isso, adverte o especialista, tende a isolá-lo mais. “Os laços que ele e o PT tinham com o Centrão estão mais fragilizados. O pouco que se avançou, se perdeu”.
Segundo o professor da Universidade Federal de Ouro Preto e do Ibmec-BH, ao convocar Gleisi para assumir um posto no Planalto e coordenar a relação do governo com o Congresso, Lula diz expressamente que vai seguir os próprios instintos, governando do jeito que acha certo, assumindo mais agressividade e riscos.
“A estratégia de Lula pode até reverter a queda de sua popularidade entre o eleitor petista, mas o afasta da reeleição em 2026. A radicalização reforça a polarização e afasta o eleitor centrista e indeciso, o mesmo que o elegeu em 2022. Além disso, a maioria do eleitorado tende hoje à direita”, sublinha.
Lula deu início neste ano à corrida contra o tempo para viabilizar a sua reeleição. Após reformular a comunicação do governo, o petista deflagrou viagens pelo país para anunciar realizações com cara de comício. Só em publicidade, o gasto previsto para 2025, ano pré-eleitoral, é de R$ 3,5 bilhões.
O cientista político Valdir Pucci lembra que tal radicalização se repete na estrutura de governo. Ele observa que Gleisi com gabinete no Palácio do Planalto amplia a influência do PT sobre o governo, sobretudo da sua ala mais à esquerda. Ele lembra que partiu dela, por exemplo, a nota do partido endossando a eleição fraudulenta do ditador venezuelano Nicolás Maduro, o que desgastou Lula.
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