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Tripla Coerência e a Dissonância Cognitiva na Política

No universo político, onde confiança e credibilidade são os pilares de uma relação duradoura com o eleitorado, o conceito de tripla coerência emerge como um guia essencial para candidatos e gestores. Essa coerência — que conecta partido, posicionamento e discurso — é a base para alinhar expectativas e consolidar uma imagem sólida. Quando negligenciada, no entanto, pode levar à dissonância cognitiva, um fenômeno que mina a confiança e enfraquece a legitimidade de lideranças políticas.

Dissonância Cognitiva: Um Risco para a Legitimidade

A teoria da dissonância cognitiva, introduzida pelo psicólogo social Leon Festinger em 1957, descreve o desconforto psicológico que ocorre quando crenças, atitudes ou valores entram em conflito com ações ou decisões. Na política, esse fenômeno é especialmente relevante, pois a percepção de incoerência entre o discurso e as ações de um líder pode abalar profundamente sua conexão com o público.

Essa dissonância ocorre frequentemente quando eleitores percebem incongruências entre as promessas feitas durante a campanha e as ações tomadas no exercício do mandato. Esse conflito interno leva o eleitor a buscar formas de restaurar a coerência, como retirar o apoio ao político, transferir sua confiança para outro líder ou até mesmo adotar uma postura de desilusão em relação ao processo político como um todo.

Mais do que um problema eleitoral, a dissonância cognitiva pode ser agravada durante o mandato, quando as ações do político deixam de refletir os compromissos assumidos. Isso solidifica a percepção de inconsistência e enfraquece a legitimidade da liderança, dificultando a reconquista da confiança pública.

A Essência da Tripla Coerência

tripla coerência não é apenas uma estratégia, mas um princípio que reflete a autenticidade e a clareza do projeto político de um candidato. Ela conecta partido, posicionamento e discurso, formando a base de uma campanha sólida e sustentável. Qualquer desalinhamento entre esses pilares pode descredibilizar o candidato, enfraquecer sua conexão com a base e gerar dissonância cognitiva no eleitorado.

Vamos explorar cada um desses pilares e entender sua importância:

1) Partido: O Alicerce Ideológico

A escolha do partido vai além do pragmatismo eleitoral; ela é um compromisso ideológico e programático. O partido define o espectro político do candidato e molda a percepção pública sobre suas pautas. Quando há desalinhamento entre o partido e as ações do candidato, a confiança do eleitor é corroída.

Exemplo 1: Um candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), tradicionalmente alinhado com a figura de Luiz Inácio Lula da Silva, que tenta evitar qualquer menção ou apoio explícito ao ex-presidente. No PT, onde Lula é um símbolo central, essa tentativa de distanciamento é praticamente impossível e enfraquece o posicionamento do candidato. Ele será visto como incoerente ou como alguém que foge de suas raízes.

Exemplo 2: Um candidato do Partido Liberal (PL), partido que apoia fortemente Jair Bolsonaro, que decide adotar um discurso de “neutralidade” ou evita apoiar explicitamente o ex-presidente. No contexto polarizado do PL, onde Bolsonaro é um líder incontestável, essa neutralidade é vista como um sinal de fraqueza ou oportunismo, alienando sua base conservadora.

2) Posicionamento: A Identidade do Candidato

O posicionamento político reflete os valores e as causas centrais que o candidato defende. Ele é a espinha dorsal de sua campanha, permitindo que os eleitores se identifiquem e se conectem emocionalmente. Um posicionamento frágil ou inconsistente prejudica essa relação.

Exemplo Prático: Um político do PT que, enquanto declara apoio a Lula, defende pautas conservadoras como o porte de armas ou a redução do papel do Estado na economia. Ou, ao contrário, um candidato do PL que apoia Bolsonaro, mas adota um discurso progressista em temas sociais como a legalização do aborto ou a ampliação dos direitos LGBTQIA+. Ambos criam um desalinhamento que gera confusão e desconfiança entre seus eleitores.

3) Discurso: A Tradução Verbal da Coerência

O discurso político é o principal veículo para comunicar intenções e propostas. Ele deve ser genuíno, coeso e alinhado aos pilares do partido e do posicionamento. Mais do que informar, o discurso deve emocionar, inspirar e estabelecer confiança.

Exemplo Prático: Um candidato do PT que tenta moderar seu discurso em regiões onde o bolsonarismo é forte, mas em eventos de sua base tradicional adota um tom radicalmente diferente, exaltando Lula e atacando diretamente a figura de Bolsonaro. Ou um candidato do PL que, buscando votos em setores progressistas, evita citar Bolsonaro em debates, mas mantém uma postura de apoio a pautas conservadoras nas redes sociais. Essa “dupla face” fragiliza sua narrativa e alimenta a percepção de inconsistência.

A Inescapável Polarização: PT e PL

No contexto atual, PT e PL representam os extremos de uma polarização política que domina o cenário nacional. Para candidatos desses partidos, não há como fugir da bipolaridade representada por Lula e Bolsonaro. Ambos são símbolos tão poderosos dentro de suas legendas que qualquer tentativa de neutralidade ou distanciamento é rapidamente percebida como incoerência ou fraqueza.

Se um candidato deseja ser competitivo dentro desses partidos, é fundamental que alinhe seu discurso, posicionamento e ações com os valores e líderes que representam suas legendas. A coerência nesse caso não é apenas estratégica, mas essencial para manter a confiança e o apoio da base eleitoral.

Superando os Desafios: Estratégias de Coerência e Empatia

Superar a dissonância cognitiva exige ação estratégica e comunicação eficiente. Para garantir a tripla coerência e fortalecer a confiança do eleitorado, o candidato deve observar os seguintes pontos:

  1. Manter a Integridade: Alinhar ações e decisões às promessas feitas durante a campanha é indispensável para construir e preservar a confiança do eleitor, evitando a sensação de traição.
  2. Antecipar Críticas: Identificar possíveis incoerências ou pontos sensíveis no discurso ou ações e abordá-los de forma proativa demonstra transparência e respeito pela inteligência do público.
  3. Comunicação Clara e Honesta: As mensagens devem ser alinhadas ao posicionamento ideológico, sendo compreensíveis, autênticas e livres de contradições. Isso inclui explicar mudanças e reconhecer limitações com franqueza.
  4. Adotar Tecnologias Inteligentes: Utilizar ferramentas de análise de dados para entender melhor as demandas do público e ajustar o discurso e ações de maneira estratégica, mantendo a sintonia com as expectativas do eleitorado.
  5. Alinhamento Ideológico com o Partido: As ações do candidato devem refletir os valores centrais do partido, reforçando sua identidade política e evitando contradições que possam gerar desconfiança.
  6. Construção de Posicionamento com Base na Realidade Local: O candidato deve moldar seu posicionamento a partir das necessidades específicas de sua base eleitoral, garantindo relevância e conexão com as demandas reais.
  7. Discurso Autêntico e Consistente: Evitar adaptações excessivas do discurso para diferentes audiências. Ele deve ser coeso, reforçando os compromissos e valores do candidato.

Conclusão

No estudo da psicologia política, compreendemos que a tomada de decisão do eleitor é profundamente influenciada por aspectos emocionais, cognitivos e sociais. Nesse cenário, a tripla coerência se destaca como um elemento essencial para reduzir a carga mental e emocional do eleitor durante o processo de escolha, ao oferecer clareza, autenticidade e consistência.

Alinhar partido, posicionamento e discurso não é apenas uma estratégia eficaz, mas uma demonstração de respeito ao eleitorado e de compromisso com a verdade política. Ações que estejam em harmonia com as promessas feitas e com os valores defendidos consolidam a confiança e fortalecem a relação entre o político e sua base. Por outro lado, a incoerência gera dissonância cognitiva, enfraquecendo a legitimidade do líder e comprometendo seu futuro político.

Portanto, a coerência não deve ser vista apenas como uma ferramenta para conquistar votos, mas como um princípio ético e estratégico indispensável para construir uma liderança sólida e duradoura. Políticos que alinham seus valores e ações com as expectativas do eleitorado não apenas evitam o desgaste da confiança pública, mas também se destacam como agentes de transformação genuína e confiável no cenário político.

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